OSCAR, O CÃO VENCEDOR

Abandonado, de novo

Capítulo anterior: Ah, os humanos

Do mesmo papelão vi o dia escurecer duas vezes. Não me mexi na esperança que meu amigo voltasse e, se ele retornasse, eu precisaria estar lá. Mas ele não voltou. Sai em busca de comida. Fui ao mesmo botequim aonde íamos juntos. Lá, o homem magro de meia-idade, dono do estabelecimento e que já me conhecia de outras refeições, me fez carinho e colocou no chão um marmitex de alumínio com arroz, pão e pedaços de salsicha. Comi tudo e depressa. Saí para caminhar.

Como da primeira vez que fui abandonado, me pus a andar novamente. Andei o dia todo, mas com uma diferença, apenas uma, essencial: eu sabia onde estava, sabia onde conseguir comida e sabia onde era a praia. Eu me sentia seguro. Por isso, andava saltitando pelas redondezas. Até alguns poucos conhecidos eu já tinha. Ao contrário de antes também, agora eu tinha um lugar para dormir. Já sabia onde era perigoso ou não. O meu amigo havia me deixado informações valiosas.

A separação desse amigo foi tão dolorosa quanto a primeira, mas eu já estava conformado que eu era um cachorro abandonado, de novo. E me acostumei fácil com isso. Embora sejamos há centenas séculos animais domésticos – ou seja, que aprenderam a viver casas –, ainda guardamos o instinto mais primitivo de sobrevivência em um mundo hostil.  Por isso, não esperava mais compaixão e lealdade dos humanos. Sabia que seria difícil e que eu precisava mesmo era de alimento, água e segurança. Dormir no chão frio ou me ensopar de chuva era o de menos. O que eu precisava era redobrar minha atenção. Eu tomava cuidado com qualquer tipo de pessoa, cachorro ou automóvel. Eu me sentia, acreditem, em casa. Infelizmente, porém, a minha casa era a rua.

Passei dias passeando, vagando. Às vezes, eu ia até a praia, outras, dava voltas por ali mesmo, mas sem nunca sair do território que eu havia delimitado e onde eu me sentia seguro. Mas sempre, todas as noites, eu voltava para o centro do Guarujá e para meu velho papelão, que outros carroceiros que ali pousavam diariamente preservavam. No fundo, eu acreditava que meu amigo poderia voltar um dia. Se isso acontecesse, eu precisava estar lá.

A carroça do meu amigo também ficou ali por muito tempo. Até que um dia a levaram. Um homem de barba branca e roupas furadas passou e recolheu os poucos jornais que ainda havia, alguns pedaços de madeira e um par de chinelos. Só deixou para mim os papelões que estavam no chão. Fiquei triste em ver as poucas lembranças do meu companheiro indo embora.

Fiquei ali pela primeira vez com a intuitiva convicção de um ciclo havia terminado. Era preciso recomeçar minha vida do zero, sem um dono, sem uma casa. Já era tarde quando adormeci para acordar em uma nova vida.

Próximo capítulo: Um anjo de olhos brilhantes

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Até a próxima segunda.

Lambidas.

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