OSCAR, O CÃO VENCEDOR

Aiii, os humanos

Capítulo anterior: Meus novos amigos

Certa noite, depois de passar o dia todo na rua, subindo e descendo na companhia do meu amigo dos botijões de gás, voltei como de costume para a minha marquise. Geralmente, e devido ao longo tempo em que eu voltava diariamente para lá, como se fosse a minha casa, acabei conhecendo a maior parte das pessoas que moravam e dormiam ali, assim como o carroceiro que me deixara para trás. Eles também já me conheciam e alguns até preparavam a minha caminha com um papelão ou com algumas folhas de jornal. Eu me sentia seguro naquele lugar.

Naquela noite, porém, achei algo estranho. Não estavam todos os meus vizinhos, mas havia um grupo novo, diferente. Era um bando de jovens, moços e moças, todos muito magros e agindo tão estranhamente quanto o carroceiro quando voltava de seus prolongados sumiços. Alguns fumavam o mesmo tipo de cachimbo improvisado em uma lata. Por conta dessa semelhança, pensei por algum momento que eles poderiam gostar de mim, e fui até eles.

Quando cheguei perto, coloquei a minha língua para fora, meio de lado, naquele meu sorriso canino, como fazia sempre para pedir comida com alguns donos de botequins. Funcionava.  Por isso, tentei ser simpático. Abanava de um lado para outro a minha cauda cheia de pelos de espanador. Uma garota de pernas muito finas veio mais perto e mexeu em minha cabeça. Eu deixei, pois acreditava que ela iria me fazer algum carinho, coisa que eu adoro tanto quanto comida.

Errei de novo. Eu, que achava que já conhecia os humanos, me dei mal. Aquela pirralha apertou minha orelha com muita força. E riu. Primeiro, soltei um grito de dor. Era bem o local da minha antiga bicheira, já curada. Depois de chorar, em uma fração de segundo, fiquei bravo, e me defendi. Em resposta dei uma bela rosnada para ela. Abri a boca o máximo que pude e fui em direção àquelas pernas. Já havia feito isso antes, sem precisar morder ninguém, e as pessoas, amedrontadas, se afastavam. Não foi o caso dessa vez.

Nem cheguei a encostar na menina, e ela deu um grito assustada. Não vi de onde e nem de quem, mas lembro de ter sentido uma forte pancada na cara. Foi um chute. Por alguns milésimos de segundo, eu não sabia o que fazer. Tudo ficou escuro. Quando me recompus, saí correndo em direção à rua que eu havia deixado antes. Mas nada do meu amigo. A casa que vendia gás já tinha fechado, não havia mais luzes. Na rua também não havia mais nenhuma movimentação de pessoas. Pela primeira vez desde que conhecia aquela marquise, não dormi lá.

Estava com medo, assustado e com muita dor. A boca esta muito inchada. Eu babava sangue e tinha dificuldade até para abrir a boca. Um dente havia se partido e doía muito. Outro caiu pouco depois e o cuspi sem saber o que era. Outros dois foram abalados pelo golpe e caíram sozinhos dias depois. Passei aquela noite vagando pelo centro de Guarujá. Mas não podia ir para lá. Meu único porto seguro tinha se tornado perigoso. Decidi ir para a praia. Apesar da dor, que latejava, fui.

No próximo capítulo: Agora sou um vira-lata

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Até a próxima segunda.

Lambidas.

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