Meus novos amigos

Capítulo anterior: Um anjo de olhos brilhantes

Adotei o homem dos botijões de gás. Eu passava o dia inteiro seguindo-o. Primeiro, eu acordava na velha marquise de sempre, dava uma bela espreguiçada e caminhava até a rua da mulher que me chamava de Peludinho. Na verdade, a partir daí, eu me esqueceria do nome Bob e começaria a atender como Peludinho. Todos me chamavam assim, e eu prontamente respondia.

Quando eu chegava naquela rua, ficava muito feliz. Sabia que ali as pessoas gostavam de mim, e que lá eu iria encontrar carinho. Por isso, andava alegremente saltitando. O primeiro lugar que eu sempre visitava era a distribuidora de gás, em frente ao ponto de ônibus. Lá, o meu amigo alto e forte me esperava sentado no chão. Quando eu chegava eram beijos, carinhos, afagos. Ele colocava para mim um pote com água e outro com ração. Eu comia, bebia e começava a trabalhar.

Ele colocava o pesado botijão nas costas e eu o seguia, assim como o caminhão que sacolejava com aqueles sons metálicos. Ele era como eu. Tinha um caminho diferente todo dia, mas que se repetia a cada semana. Tocava periodicamente as mesmas campainhas e gritava: “Ó, o gás”. Eu o esperava na calçada, do lado de fora dos prédios. Eu não podia entrar, mas vigiava o caminhão. Se fosse uma casa e houvesse um semelhante meu, não latia. Esperava. Às vezes, o telefone tocava. A central avisava que uma senhorinha estava fazendo o almoço e teve que fazer uma interrupção forçada por falta de gás. Nessa hora que eu e meu amigo entrávamos em ação.

Conversávamos o tempo todo. Ele me falava sobre a família, a vida, medos e planos. Também me contava coisas. Não entendia nada que ele falava, mas sabia o que ele estava dizendo e que gostava de mim. Era isso o que importava. Subíamos e descíamos as ruas o dia todo. Não raramente eu encontrava a moça que gostava de mim. Ela parava o carro, descia e me fazia carinho. Também me dava ração em um saquinho e ia embora. Eu era amado e feliz. Todos da rua me conheciam e me tratavam bem e, se não me tratassem bem, também não me tratavam mal.

Mas todas as noites continuavam iguais. Uma hora ele se despedia de mim com o olhar, me fazia um carinho, entrava no caminhão de sons metálicos e depressa sumia da minha vista. Eu me dirigia até a marquise e encontrava algum pedaço de papelão, jornal, ou de qualquer coisa mesmo para deitar. Dormia achando que o carroceiro poderia voltar. Eu só não esperava que o ser humano pudesse ser ainda mais cruel do que eu já imaginava.

No próximo capítulo: Aiii, os humanos

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Até a próxima segunda.

Lambidas.

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