Um anjo de olhos brilhantes

Capítulo anterior: Abandonado, de novo

Naquele dia, eu acordei disposto a procurar mais uma amizade. A vida é muito ruim quando vivida sozinha. É bom compartilhar um carinho, uma palavra, um sentimento. Nós cachorros nascemos para ter um líder e nos dedicarmos fielmente a ele – seja no nosso ambiente natural ou na casa de vocês. Nós, cães, fazemos de vocês a nossa referência. É para vocês que nós servimos a nossa curta vida. Por isso, uma separação para a gente é muito mais dolorosa do que para vocês.

Comecei a andar e entrei em uma rua desconhecida, embora muito próxima daquela onde eu costumava ficar. Dobrei a esquina e, para a minha surpresa, encontrei aquela mulher de olhos brilhantes – a mesma em que cujas pernas trombei uma vez e fiquei assustado. Mas em vez de ela me bater ou me espantar, agachou-se em minha direção e me fez um carinho. Naquele dia eu memorizei o cheiro dela. Era ela, eu tinha certeza.

Não restava mais qualquer vestígio de dúvida de que não era a mesma mulher quando ela novamente se curvou em minha direção e, sorrindo, disse: “Que peludinho lindo”. Igualzinho da outra vez, idêntico. Fui em direção a ela, contente por julgar ter encontrado de novo um humano para amar. Quando cheguei bem perto, ela estendeu a mão para que eu sentisse o seu cheiro. Para os cães, esse gesto equivale a dizer ‘prazer em conhecê-lo’. Depois, me fez um carinho na cabeça. Disse para eu esperar ali e eu entendi e esperei.

Quando voltou, ela segurava dois potinhos brancos. Um com ração, e o outro com água. Já havia um tempo que eu não comia ração, já que meu amigo carroceiro só me alimentava com comidas de humanos. Ração, só no sítio, antes de eu ser abandonado pela primeira vez. Comi tudinho. Enquanto eu mastigava e engolia, a mulher dos olhos que brilhavam fazia elogios. Dizia que eu era muito bonito e alegre. Eu não entendia uma palavra, mas entendia o coração dela.

Ela gostava de mim e queria me ajudar. E ajudou. Durante muito tempo – na verdade, o tempo em que estive nas ruas – inúmeras vezes ela parou o carro quando me via e descia sempre com um saquinho de ração. Colocava no chão, me acariciava e sempre me elogiava. Comecei a frequentar mais aquela rua. Conheci outras pessoas, inclusive um homem que trabalhava carregando botijões de gás nas costas até as casas das pessoas. Eu ia e voltava todos os dias. Enquanto estava claro eu passeava por ali. Ganhava comida, elogios e carinhos. Mas quando a noite caía, voltava para a mesma marquise de sempre. Às vezes, havia um papelão ou um jornal, às vezes era apenas o cimento sujo e gelado da calçada. Mesmo não esperando mais, eu ainda acreditava que o carroceiro poderia voltar.

No próximo capítulo: Minhas amizades

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Até a próxima segunda.

Lambidas.

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