A sarna
Capítulo anterior: Agora eu sou um vira-lata
Agora, de fato, eu era um vira-lata. Mais do que isso, também era um vira-lata sarnento. A sarna havia dados os primeiros sinais mais ou menos depois de um mês do meu regresso, por assim dizer, das férias que eu havia tirado dos humanos. Começou com uma sensação estranha e incômoda na pele, o que me levava a passar minutos a fio me coçando freneticamente. Mas não passava. O alívio passageiro era apenas a dor das feridas que minhas unhas criavam e se sobressaiam em relação à coceira. Não tinha a menor ideia do porquê, mas havia milhares de parasitas escavando a superfície do meu corpo todo.
Passei dias vagando. E me coçando. Pouco caminhava até a antiga rua conhecida. Queria me distanciar das pessoas. Desde o meu abandono e a minha chegada à praia, já tinha sido muito maltratado. Pouco confiava nas pessoas e preferia viver a minha liberdade e pagar o preço, que era a solidão. De vez em quando, o meu caminho cruzava o da dona dos olhos encantadores. E ela fazia o ritual de sempre. Parava o carro, descia, abria um saquinho de supermercado cheinho de ração e ia embora.
Eu também partia saltitante, levando de carona os parasitas da sarna. Não precisava de muitos passos para que eu não aguentasse e parasse a fim de me coçar. Depois de tanto arranhar a pele, começaram a nascer várias pequenas bolhas no meu corpo. Com elas vieram a vermelhidão e a escamação da pele. Os pelos começaram gradativamente a cair. E as poucas pessoas que podiam me ajudar começaram a me olhar com desprezo e até certo nojo.
Todo dia e toda noite eram iguais. Quando estava claro e o centro ficava cheio de gente e restos de comida, eu vagava. Após escurecer, voltava para a mesma marquise. Lá, me lembrava do meu outrora amigo carroceiro. Achava que ali era nosso canto, meu porto seguro. Por isso, retornei, mesmo depois do chute que me levaram quatro dentes. Na marquise eu também era sozinho. Outros carroceiros tinham outros cães com quem se preocupar. Se a vida me reservava uma sina de abandonos, o azar era meu. Na minha cabeça, a vida era assim mesmo. E sempre seria.
Mas eu estava enganado. Tudo podia melhorar, mas também poderia piorar. E muito.
No próximo capítulo: A carrocinha
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Até a próxima segunda.
Lambidas