Andar, andar e andar

Capítulo anterior: O que aconteceu comigo?

Acordei.

Olhei ao redor e vi que estava vivendo um pesadelo. Deitado em um chão gelado embaixo daquela marquise, lembrei que havia sido abandonado pelos meus donos em um lugar desconhecido. Eu estava com medo, assustado, triste e, acima de tudo, perdido. Não conseguia pensar para onde eu poderia ir. Meus instintos nada me diziam. Tudo que eles fazem em situações como essa é ordenar: ande.

Bocejei, me alongando para frente. Dei uma bela espreguiçada, pois intuía que o dia iria ser difícil novamente. Ainda sentia as dores da corrida e da longa caminhada do dia anterior. Não estava acostumado a isso. Também estava com fome e sede. E isso naquele momento tornou-se vital. Precisava encontrar água e comida. Mas aonde?

Enquanto andava, eu pensava na minha antiga vida, na água cristalina do lago da chácara… ai, que saudades. Andei por alguns quarteirões, desviei de muitas pernas apressadas que cruzavam o meu caminho, virei diversas esquinas, e nada para molhar a boca. Avistei de longe um homem jogando água no chão com uma mangueira na frente de um prédio bem alto. Corri até ele. Assustado, entrou e fechou o portão. Olhei para ele e para o meio-fio com uma poça. Fui lentamente até aquela pequena quantidade de água e bebi.

Assim como os humanos, nós, cachorros, também gostamos e precisamos de água limpa e fresca. Por isso, quando decidimos beber do chão é porque realmente estamos precisando de verdade. Estamos, como os humanos dizem, morrendo de sede. E a nossa é tão insuportável quanto a de vocês. O ideal é que a nossa água seja trocada constantemente ao longo do dia. Mas se, tantas vezes, cãezinhos que moram em casas sofrem com isso, com donos que acham que se ainda há água no pote é porque não estamos com sede, que dirá para nós, os cachorros de rua. Assim como as pessoas que moram na rua às vezes se alimentam do lixo, nós só fazemos isso por falta de opção, para sobreviver.

Depois de beber aquela água continuei andando. Eu também precisava de algo para comer. E não é fácil encontrar comida na rua. Precisamos revirar inúmeros sacos de lixo, quando temos a sorte de ser dia de coleta, para conseguir encontrar algum resto de alimento. Todos os sacos que encontrava no chão eu cheirava e fuçava, para ver se encontrava algo, mas nada.

E me pus a andar. O sol do meio-dia deixava o cimento da calçada quente demais para quem caminhava na terra, no capim. Andei. Sem parar, andei. Andei e andei. As horas se passaram, e o sol se foi novamente. Nada de água nem comida. Nem um resto de uma coxinha, de um sanduíche ruim salgado. Nem um olhar de solidariedade. Anoiteceu. E andei. E andei. Andei até não aguentar mais. Desisti. Parei. Deitei novamente num canto deserto. A fome e a sede eram insuportáveis.

Ainda assim, adormeci.

No próximo capítulo: Medo e fome

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Era uma vez…

Lambidas, e até a próxima.

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