O que aconteceu comigo?

Capítulo anterior: Era uma vez…

O carro parou, a porta se abriu. Fui empurrado para fora, bati o tórax na calçada, e o automóvel partiu acelerando. Quando ele saiu, fiquei desesperado, sem entender o porquê de eu estar ali, sozinho, em um lugar desconhecido. Ainda desnorteado, tentei correr o mais rápido que pude atrás dos pneus pretos, que giravam para cada vez mais longe. Coloquei todas as energias e forças nas minhas pequenas e curtas patas. Corria, corria. Eu atravessava os cruzamentos sem pensar que qualquer outro carro poderia me atingir. Escutei uma buzina forte e alta, dei um impulso, saltei para a calçada. E continuei correndo.

Quanto mais eu movimentava as minhas patas, mais o carro se afastava, até que, por fim, perdi meus donos de vista. Minhas articulações estavam cansadas e não aguentavam mais. Minhas munhecas doíam. Parei. Não conseguia mais correr. Eu arfava de tão cansado, e meu coração estava acelerado. Perdido e sem saber para onde ir, comecei a andar sem rumo. Tentei farejar o chão e alguns cantos. Não achei nenhum cheiro conhecido, nada que lembrasse a minha casa, e logo desisti de tentar achar o caminho de volta.

Vaguei durante horas a fio. Olhava para cima e só via pessoas indo e vindo apressadas. No nível do chão, sapatos, sandálias, tênis, calças, saias passavam sem parar. Eu caminhava junto às portas e paredes, morrendo de medo de ser pisoteado por aqueles que nem pareciam perceber minha presença. Não sabia para onde ir, mas não parava de andar. Seguia meu instinto de procurar algum sinal que indicasse meu caminho de volta ou um lugar onde me sentisse seguro.

O dia escureceu e virou noite. As pessoas foram desaparecendo gradativamente. Eu estava assustado e com medo. Queria achar meu cantinho ao relento, aquele cheiro de mato que me dava paz. Não sabia o que seria de mim. Os humanos não sabem, mas nós temos um sentido que nos ligam por uma corrente de amor incondicional aos nossos donos. Ele é capaz de fazer com que a gente encontre nosso lar mesmo a quilômetros de distância. Mas ele só funciona se o caminho for de mão dupla. Eu não queria aceitar, mas já sabia que esse laço havia sido rompido e, portanto, eu jamais os encontraria outra vez. O que eu precisava naquele momento era descansar, dormir. Eu havia andado demais.

Avistei um filhote humano, ou melhor, uma criança, e, na expectativa de conseguir um novo amigo, abanei o rabo freneticamente. Ele me viu e senti que ele gostou de mim, queria se aproximar. Tentei mostrar alguma simpatia, mas a mãe do menino começou a gritar: “Não chega perto! Não encosta nele, filho. Ele está com uma bicheira na orelha. Cuidado!” O pequeno ficou mais assustado com a mãe do que comigo. Saiu correndo, agarrado-a.

Andei me arrastando mais alguns quarteirões e tentei me aproximar de um senhor, que soltou um “chispa”. Desisti. Estava sozinho, amedrontado e sem saber para onde ir. Eu não aguentava mais andar, precisava achar um cantinho seguro desesperadamente. Avancei mais alguns metros e avistei uma marquise e me ajeitei ali mesmo, escondido em um canto encostado na parede.

Adormeci.

No próximo capítulo: Andar, andar, andar

Lambidas, e até a próxima.

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