Por que os cães partem tão cedo?

11198839_937372839638711_1302822003_n

Muitas são as pessoas que já sonharam em viver para sempre, desde que com conforto e saúde. Mas quantas gostariam de ser imortais, fosse a vida eterna uma conquista meramente individual? Raríssimas, certamente. Afinal, é quase impossível sobreviver à perda da companheira amada, dos filhos, dos netos, de todos os amigos… e ser feliz.

Perder os pais, os avós e alguns amigos leva a uma dor incomensurável, indelével – quem passou por isso sabe. Mas faz parte da ordem natural da vida. Já viver sem nossos descendentes seria um peso, não uma bênção.

Se o homem ainda está longe da imortalidade, impressionam os relatos de que avança, a passos largos, a perspectiva de vida humana em todo o planeta. Algumas informações parecem invencionices ou ficção científica. Quer um exemplo? Estudos da Universidade da Singularidade, financiadas pela Nasa e pelo Google, apontam que a expectativa de vida saltará para 200 anos em 2040. Em três décadas, nano-robôs, máquinas minúsculas, seis vezes menores que um glóbulo vermelho, entrarão na corrente sanguínea e combaterão doenças; órgãos clonados do próprio doador substituirão as peças desgastadas pelo tempo.

Viveremos mais ao lado dos nossos descendentes. Porém, não ao lado de todos os nossos filhos. Falo de nossos cães e gatos, filhinhos queridos que enchem nossas vidas de alegria, amor incondicional e partem tão cedo.

Se pensarmos nos números, os avanços são notáveis. Nos últimos 30 anos, a expectativa de vida de cães e gatos praticamente dobrou. Cães de pequeno porte, que viviam em média 9 anos, agora chegam aos 18, em boas condições de saúde. Os cães de grande porte passaram dos 7 para os 13 anos. Gatos que atingiam os 10 anos vivem até os 20.

Há em todo o mundo diversos casos de gatos que se tornaram trintões! No Guiness Book consta um gato que viveu entre 34 e 36 anos. Sem comprovação oficial, há o relato de um gato que viveu 43 anos e ainda tinha saúde para escapulir por aí: morreu atropelado por um trem.

Mesmo com tudo isso, ao ver nossos filhinhos partindo, os avanços parecem andar a passos de tartaruga.  É tudo tão rápido. De repente está diante de nós aquela bolinha de pelo que não para quieta, que agita, que corre para cima e para baixo. Logo cresce. De repente, “não mais que de repente”, vira nosso companheiro para todas as horas.

E quando vemos nosso bichinho já envelheceu, em um piscar de olhos, e fazemos de tudo para cuidar, para preservar, para manter por perto nosso filhinho ancião.Mas não conseguimos.

Há pouco eu e minha esposa Maria perdemos a nossa Laila. Uma pastora alemã linda, meiga, que não gostava muito de outros cães, é verdade, mas era mansa com os humanos, e vivia para dar e receber nosso amor. Meu e de Maria.

É o terceiro filhinho cão que perdi em 53 anos de vida. A primeira, na infância e parte da adolescência, foi uma pequinês, a Jacque, que veio de Porto Alegre com a gente.

Há oito anos perdi o Kelev, um impressionante pastor com fila, 55 kg de pura doçura. Kelev significa “cachorro”, em hebraico. Vem da junção de duas palavras: Kmo (“assim como”) e Lev (“coração”). Nunca vi palavra tão apropriada: para os israelenses, cachorro é “assim como o coração”.

E assim era o meu Kelev. Ao contrário da Laila, que sempre soube ser uma cachorra, era desses cães que ‘pensava’ ser um ser humano. E não é que todo mundo dizia: “mas esse cachorro tem um olhar de ser humano!”. Kelev não sabia o tamanho e a força que tinha.

Agora foi a vez da Laila. Certa noite, ficou esquisita. Quase não se mexia. Tentava, em vão, vomitar. Não aceitou o adorado pedaço de maçã. Não mostrou ânimo nem diante da coleira com o famoso “vamos passear?”. Preocupados, fomos para um veterinário 24 horas, pertinho de nossa casa. Laila estava com torção gástrica.

– É muito perigosa para uma cadela de 12 anos” – explicou a veterinária.

Laila fez ultrassom. Foi sedada. Ficou internada, nossa linda pastora. Maria foi para casa, limpou a caminha da Laila, lavou o patinho de plástico lilás que ela havia adotado e deixou tudo pronto para recebê-la. Mais tarde fomos informados de que talvez ela não fosse para casa naquele dia. Fomos visitá-la. Laila estava deitada, pouco se mexia.

“O papai tá aqui”, falei. Ela soltou um suspiro, quase um rosnado. Saiu-lhe um líquido negro, pela boca, molhando boa parte do piso. Era a morte chegando. Deu mais um suspiro.

Laila tinha nos esperado. Meu Deus, sei lá por quantas longas horas, sei lá com quanta dor. Tinha esperado pelas duas pessoas que amava no mundo: eu e a Maria.

Ficamos arrasados e, ao mesmo tempo, orgulhosos da nossa cachorrinha, que sempre nos acompanhava em qualquer canto da casa e da vida: ao chegarmos na garagem, ao entramos na sala, na saída do banheiro, na primeira hora da manhã…

Tem gente que não acredita em anjos e é incapaz de perceber a sua companhia. Eu e Maria tivemos a prova de que eles existem. E agradecemos a Laila por ter zelado por nós e por ter nos amado incondicionalmente, com um amor puro e verdadeiro que só os cães sabem dar.

Há pouco saí para caminhar. É difícil voltar a percorrer o mesmo caminho que fazia cotidianamente com a Laila. Mas é preciso, já que, apesar dos avanços da medicina, o principal para uma vida longa e boa é manter uma rotina saudável. Talvez eu tenha conseguido manter a saúde, tantos e tantos momentos difíceis, graças à obrigação diária que eu tinha de levar a Lailinha – e ainda o Kelev – para passear.

Foram 24 anos em que meus cachorrinhos ajudaram-me a combater o sedentarismo e talvez tenham me livrado de um infarto. São filhos, amigos, preparadores físicos, anjinhos que, como disse, tive ao meu lado por duas décadas e meia.

Gostaria que vivessem mais. Bem mais. Bem, o que fazer? Humanos, cães e gatos sempre têm um fim. Já os anjos e o amor, estes vivem para sempre.

 Estadão

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *