O envenenamento

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Capítulo anterior: De frente com a morte

Não sabia o que estava acontecendo. Eu me contorcia de dor e nem imaginava o motivo. Ao mesmo tempo, engasgava com uma baba grossa que surgia sem parar e enchia a minha boca. Comecei a vomitar em golfos dolorosos. Não compreendia nada. Apenas sofria. Era uma dor insuportável, indescritível. Só quem passou por isso sabe a força de uma pequena medida de veneno. E poucos sobrevivem para contar a história.

Sentia uma estranha e forte, muito forte dor na barriga. Meu corpo inteiro tremia. Os bichos não sabem o que é a morte porque não têm nem consciência de que é a vida. Apenas estamos aqui, lutando todo dia por instinto para viver o momento. Por isso, não existe o medo da morte. Naquele momento, porém, sentia o gosto da morte na boca, e a dor que ela causava estava dentro de mim.

De repente comecei a expelir pela boca e pelo ânus uma espécie de catarro amarelado. Desesperada, Erika não sabia o que fazer, pois havia se mudado recentemente para Santos e não conhecia direito nem as ruas, que dirá um veterinário que atendesse numa noite de uma sexta-feira.

– O Oscar está morrendo – ela gritava no limite de sua voz.

Ela gritava tão desesperada ao telefone que fez a vizinhança achar que ali no apartamento havia acontecido um crime, e que Oscar era uma pessoa que estava desfacelendo depois de tomar um tiro. Para mim, a dor era tão lancinante quanto à de um tiro.

Uma vizinha entrou em casa intempestivamente, sem tocar a campainha. Queria ajudar, mesmo achando que um crime havia sido cometido. Mas quando me viu no chão, começou a fazer massagem em minha barriga, a única coisa que lhe ocorria fazer. Mas de nada adiantaria. Eu estava sendo consumido por dentro, quimicamente, como se um ácido estivesse calcinando meus órgãos.

Ao mesmo tempo, do outro lado da linha, Erika tentavalocalizar um pronto-socorro veterinário. E, quem diria, encontrou um a apenas um quilômetro de distância da nossa casa. Já não tinha mais forças para ficar em pé. Meus músculos tremiam, convulsionando. O fim estava cada vez mais perto, mas eu não sabia.

Tudo ia se desenrolando no mesmo pequeno, mas interminável espaço de tempo. O telefone tocava, Erika se trocava, a vizinha me acariciava, e , enfim, conseguiu um veterinário. Minha dona ia pela casa recolhendo tudo: carteira, chave do carro, coleira, documentos, celular, cartão de crédito – e eu. Apesar dos meus quase 20 quilos, ela me ergueu com um braço só. Eu não conseguia mais ajudar, me segurar. Estava completamente frágil de tanta dor. Estava me entregando.

Erika me colocou dentro do carro, desmilinguido como um boneco de pano. Ela saiu acelerando forte. Sujei o carro todo. Ela estacionou bem na frente do hospital veterinário. A porta, porém, estava trancada. Descompensadamente, esmurrava a porta de vidro. Ninguém aparecia para abrir a porta.

Uma moça toda de branco e de cabelos loiros, por fim, abriu a porta. Minha dona me tirou do carro, mas não conseguia andar. Percebi que a morte estava na minha frente quando ela me colocou no chão. Nessa hora, não aguentei o peso do meu corpo. Minhas patas arriaram e caí. Ela me pegou no colo e me carregou novamente.

A veterinária me colocou na maca e ao ver os fluidos amarelados que saíam de mim, não teve dúvida para afirmar, ainda que tentasse ser gentil em um momento como aquele:

– Ele foi envenenado por chumbinho. Ela constatou.

No próximo capítulo: A química da morte

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A ordem cronológica é de baixo para cima.

Até a próxima segunda.

Lambidas

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