A química da vida
Capítulo anterior: O que o destino me reservava
A veterinária olhou para mim com um olhar sério e preparou uma mistura de um pó preto com água. Colocou em um copinho descartável e entregou para Erika com uma seringa de injeção sem a agulha.
– Faça ele beber tudo, aos poucos, mas sem demorar muito – ordenou.
Explicou que não podia sobrar nada, mas não explicou por que. Agora, ela tinha que cuidar de um gato que havia sido castrado. O bichano foi colocado numa jaula ao meu lado. Foi quando vi que estava realmente mal. Meus instintos não reagiram absolutamente nada à sua presença. Normalmente, eu teria pulado sobre aquelas grades e não desistiria até abri-la e atacar a presa. Mas ele não me dizia nada naquele momento. Senti até um certo medo, pois não seria capaz de me defender se me atacasse. E ele sabia da minha fragilidade. Por sorte, ele também não estava se sentindo forte depois da cirurgia.
Quando Erika, no entanto, tentou me fazer engolir aquela gosma preta e amarga, resisti. Uma parte escorreu pelo canto da boca. De qualquer forma, eu também não tinha forças para engolir. Mesmo assim, o marido dela teve de me segurar para que ela conseguisse enfiar o líquido goela abaixo. Se eu fosse capaz de saber que aquela coisa seria capaz de salvar minha vida, pediria uma tigela cheia até a boca.
Aquela substância escura se chama carvão ativado. Trata-se do mesmo carvão que se usa em churrasqueiras, ou seja, madeira que de tão queimada só sobra praticamente o carbono, elemento químico presente em tudo que tem vida. A diferença é que o carvão ativado sofre um tratamento com oxigênio e outras substâncias para aumentar sua porosidade. Outra diferença é que ele dá mais certo com a queima de alguns tipos de vegetais, como sementes de goiaba e casca de coco. Num microscópio, dá para ver que ele tem tantos buracos, mas tantos buracos na superfície, que sua área vazia é muito maior que a cheia.
O carvão ativado é muito utilizado bombas de aquários e em filtros de água domésticos.
É que ele tem a capacidade de preencher e aprisionar seus buracos com substâncias tóxicas. Seu uso é antigo. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foi bastante utilizado para a remoção de gases tóxicos e existem registros que índios brasileiros já o usavam para curar tumores e úlceras. Devido à sua rapidez de ação, é considerado um dos principais agentes no tratamento de envenenamentos. Ele passa pelo aparelho digestivo e vai capturando quimicamente o veneno. Ele é um reforço até para o fígado, o maior laboratório e filtro dos mamíferos, onde ajuda a depurar o sangue envenenado. Depois que todos os poros do carbono são preenchidos, ele é eliminado nas fezes.
Por isso, eu precisava tomar tudo aquilo. Era difícil. Cada gole, uma náusea. Enquanto Erika apertava a seringa cheia de carvão na minha boca, ao mesmo tempo ela pedia insistentemente para que eu não a deixasse. Depois de 15 minutos, toda aquela pasta preta havia acabado. Eu ainda sentia as mesmas dores, os mesmos tremores. Os vômitos, porém, pareciam ter dado uma trégua. Continuava com uma agulha espetada na pata e com a cabeça encostada no ombro de Erika que só repetia:
– Ele vai se salvar – dizia – Ele não piorou, e isso é o melhor sinal.
No próximo capítulo: A recuperação
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Até a próxima segunda.
Lambidas.