Era uma vez…

Olá, gente boa que gosta de bicho.

Os humanos adoram escrever biografias, seja gente viva, seja de quem já morreu, seja de si próprio, seja dos outros. Sempre há histórias interessantes para contar, e pessoas interessadas em saber. E como não há lei que proíba cachorros de fazer o mesmo, a partir de hoje contarei em capítulos a minha biografia com detalhes, e quem quiser conhecer todas as minhas aventuras, medos, alegrias, aflições, tristezas e conquistas é só me acompanhar.

Aprendi nesta minha curta vidinha que todas boas histórias começam com “era uma vez”. E a minha eu não quero que seja diferente. Por isso, era uma vez…

…Um filhotinho peludo de cor marrom e branco. Eu era um cãozinho um tanto quanto diferente. Não me lembro muito bem dos meus pais, mas descobri mais tarde que sou uma mistura de basset hound com border collie. Por isso, meu corpinho é desproporcional. Tenho porte grande, mas com patas curtas, o que faz a minha altura ser baixa. A cabecinha, porém, é enorme. Mas sou forte e musculoso, que o digam meus donos quando cismo de perseguir um gato. Meus pelos são compridos e lisos, cheios de rodamoinhos. Meu rabo, estapafúrdio, parece mais um espanador. Enquanto eu ando, ele não só limpa as superfícies nas quais encosta como vai derrubando inadvertidamente alguns objetos que estão no caminho.

Desse jeito, eu logo fui descartado. Diziam que eu era estranho demais para ser vendido. Falavam que eu não tinha o tal pedigree.

Isso faz, pelas contas dos humanos, quase quatro anos.

Meus donos me separaram de meus irmãos e me levaram para morar num sítio, no interior de São Paulo. Quem cuidaria de mim seria o caseiro. A minha vida parecia que ia ser bem legal. O tempo passou, eu cresci e fiquei forte. O sítio tinha um grande terreno de capim e terra para correr e cavar, lago para tomar água e comida na tigela.

Certo dia, depois de tanto brincar e correr entre os arbustos, acabei machucando a minha orelha com um espinho. É impressionante como pequenos fatos, às vezes tão banais, podem mudar radicalmente uma vida inteira. Foi esse o meu caso. Ninguém reparou que em minha orelha se formou uma ferida, a não ser uma mosca. Mas não era uma mosca comum, e sim uma varejeira, dessas bem gordas, verdes e nojentas. Ela veio voando veloz e zunindo, deu um voo rasante e depositou alguns ovinhos dentro do meu ferimento. Desses ovos nasceram larvas brancas, que começaram a se alimentar da minha pele lentamente. O cheiro fétido começou a exalar e as dores eram terríveis.

Depois de vários dias meus donos apareceram. Fiquei muito contente em reencontrá-los. Mas eles não pareciam tão felizes quanto eu. Eu pulava e levantava as duas patas da frente para saudá-los. E eles pouco me deram atenção. Na verdade, nem passaram a mão em mim. As minhas coisinhas começaram a ser recolhidas e jogadas dentro de uma sacola de supermercado. Disseram que nós iríamos passear. A minha felicidade era tão grande que eu até me esqueci da dor que estava sentindo.

Entramos no carro, sentei no banco de trás ao lado da janela. Abriram o vidro. Minhas orelhas voavam, eu sentia o cheiro do vento. Chegamos à cidade do Guarujá, mas não fomos ver o mar. Pelo contrário, fomos para o longe da água. Demos algumas voltas em alguns quarteirões. O carro parou, a porta se abriu. Eu fui empurrado para fora do automóvel, que saiu acelerando.

Fui abandonado.

Por hoje é só. Continuarei contando a minha vida na próxima semana.

Uma lambida, e até a próxima.

Oscar

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