As lembranças da vida

Capítulo anterior: O Centro de Controle de Zoonoses 

Passei dias dividindo aquela mesma cela verde com aqueles mesmos cachorros durante alguns longos dias. Talvez semanas. Não podia acreditar que mais uma vez eu sofria na mão dos humanos e dos meus semelhantes peludos por causa de descaso dos meus primeiros donos.  Sim, a culpa era inteira deles.

Não sei como que meus pais se conheceram, mas só nasci porque eles não eram castrados. Segundo uma veterinária que eu viria a conhecer mais tarde, eles eram de raças nobres, por assim dizer, um basset hound e um border collie. Com certeza o cruzamento foi um erro dos humanos, e quem pagou por ele fomos nós. Eu e meus irmãos, os vira-latas.

Não sei o que aconteceu com eles. Desde o meu nascimento venho sido descartado como lixo. Primeiro, fui colocado no sítio. A minha vida parecia que seria boa e feliz, mas peguei uma bicheira e logo fui abandonado em uma avenida qualquer no centro de Guarujá. Nas ruas, a minha vida era cheia de surpresa. Não posso negar que tive momentos bons também.

A primeira vez que vi o mar, por exemplo, foi inexplicável. Na rua, conheci pessoas boas, como o carroceiro que me adotou. Ele cuidou de mim, compartilhamos bons momentos, comidas, experiências e pedaços de papelão. Mas ele foi embora e me deixou sozinho sem explicação nenhuma. Só novamente, senti medo, frio e levei o chute na boca que me levaram quatro dentes. Mas também fiz boas amizades, como o homem dos botijões de gás e a dona dos olhos brilhantes.

Agora, estar ali preso depois de ter sido laçado pela carrocinha era demais para mim. A maior parte do meu curto período de vida eu passei nas ruas, livre. Estar encarcerado com aqueles cachorros doentes e por vezes violentos me deixava depressivo. Eu não queria mais comer. Estava entregando os pontos. Por isso, comecei a emagrecer e a perder cada vez mais pelos.

Passava horas, talvez dias na mesma posição e no mesmo canto. Observava tudo de cabeça baixa. Via inúmeras pernas e patas passarem pelo corredor até o balcão dos telefones que nunca paravam de tocar. Mas vi poucas patas saírem dali.

Morria de medo de nunca sair mais desse quadradinho com grades.

No próximo capítulo: As surpresas da vida

Para acompanhar todos os capítulos da minha história, clique aqui. A ordem cronológica é de baixo para cima.

Até a próxima segunda.

Lambidas.

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