O Centro de Controle de Zonoozes
Capítulo anterior: A carrocinha
O carro trepidava bastante. Meu corpo ia de um lado para o outro dentro do improvisado chiqueirinho no porta-malas. Não sei se foi de tanto ser sacudido ou por causa da coleira que apertava meu pescoço, mas comecei a me sentir enjoado, com náuseas. Vomitei. O carro parou em frente a uma casa verde com placa escrita: Centro de Controle de Zoonoses do Guarujá.
O casal desceu do carro e abriu a porta traseira do veículo. Naquele momento, eu só pensava em fugir. Mas como? Meu coraçãozinho estava acelerado, e decidi cooperar com eles para que talvez não me machucassem. Passei pelo portão com o rabo no meio das pernas. Um longo corredor com canis fechados com grades seguiam até um balcão. Dentro das gaiolas superlotadas, cães dos mais variados tipos se amontoavam em um espaço insuficiente para todos.
Entrei em desespero. Será que aqueles cachorros iriam virar sabão como dizem? Eu também? Fiquei muito apreensivo e comecei andar curvado. Chegamos ao balcão. O casal falava com outra mulher mal-humorada. O telefone não parava de tocar, mas ninguém o atendia. Comecei a prestar atenção no que diziam, fazia muita força para entender o que eles conversavam. Escutei alguém dizer que eu estava com escabiose, ou seja, sarna.
Como a sarna é considerada uma zoonose – isto é, uma doença de animais que podem atacar os humanos, a prefeitura do Guarujá me retirou das ruas, como medida de saúde pública, a fim de prevenir que eu fizesse mal às pessoas.
Nesse momento aprendi outra dura lição: alguém só deu importância para a minha existência apenas quando passei a trazer perigo para a sociedade. Antes, quando fui jogado nas ruas e abandonado pelos meus antigos tutores, ninguém apareceu para ajudar, para dar uma comida ou até mesmo um carinho. Mas não adiantava me lamentar.
Depois de criarem uma ficha e me colocarem uma coleira de couro vermelha com o número 56 impresso, fui colocado dentro de uma baia com cachorros terrivelmente maiores do que eu. Muitos estavam doentes também, alguns melhores e outros piores, já agonizando naquele chão gelado e sujo. Era raro, muito difícil mesmo encontrar um cão com aparência saudável lá dentro.
Tentei me aconchegar no canto, do lado das grades. Enrodilhei-me como uma cobra e ali fiquei alguns dias. Não queria amizade com ninguém. Não queria comer. Não queria beber. Tinha medo.
No próximo capítulo: As lembranças da vida
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Até a próxima segunda.
Lambidas.