As 24 horas
Capítulo anterior: A recuperação
Quando o clareou o dia, estávamos todos bem despertos e em pé. Não havíamos chegado nem sequer à metade das tais 24 horas decisivas. Eu continuava fraco, fragilizado e inteiro dolorido. Ainda tremia e meus músculos estavam exaustos e enrijecidos. Por causa disso, comecei a marchar. Caminhava como se fosse um boneco de corda. Erika continuava preocupada, mas à medida que eu não piorava aumentava a indignação dela com as pessoas. Foi quando ela começou a pensar de verdade na autoria do envenenamento. Ela se perguntava sem parar como e por que as pessoas podiam ser capazes de fazer tanto mal a seres inofensivos como eu, tão gratuitamente. Mesmo que eu fosse um cão que não parasse de ladrar – o que não era verdade, porque eu ainda nem tivera tempo de me sentir dono da casa para latir lá dentro –, não se justificava tamanha violência. Erika não parou de chorar e pensar o dia inteirinho no tamanho da maldade humana.
Como eu havia tomado diuréticos, não conseguia segurar o xixi. Acabei molhando a casa toda de novo. Erika telefonou para o pronto-socorro para contar como eu estava. O veterinário de plantão disse que se tivesse disposição, eu poderia dar um pequeno passeio. Para mim, era indiferente e por isso os acompanhei sem resistência quando me colocaram a guia. Andava devagar, mas gostei de sair porque me incomoda fazer xixi em casa. Demos uma volta no quarteirão e paramos no pet shop para tomar um banho. Era mesmo bom, sentia um alívio – e ela também, porque eu tinha me sujado muito na noite anterior e não havia panos úmidos que fossem capazes de me limpar.
Quando chegamos ao pet shop, no entanto, precisei tomar outra vez aquele liquído grosso e preto, o tal do carvão ativado. Tomei tudo com mais facilidade que no dia anterior. Por mais que não gostasse daquilo, já tinha compreendido que aquele só podia ser um gesto de carinho no meio de tantos outros que ela havia demonstrado. Devia ser algo bom para mim e, portanto, não reagi, não cuspi, embora tenha sido difícil engolir aquela coisa. Naquele dia, as meninas que sempre me davam banho me trataram com rei. Tomaram o máximo de cuidado para não me estressar ou me machucar. Parecia um bibelô de cristal. De volta para casa, limpo e perfumado, um monte de remédios me aguardava. Fiquei ainda mais enjoado, com dor de cabeça, além da muscular. Só marchava, duro como uma perna de pau. Passei o resto do dia deitado no colo de Erika, que me fazia carinho enquanto trabalhava em seu computador.
As primeiras 24 horas haviam se passado, e eu ainda estava vivo.
No próximo capítulo: De volta ao pronto-socorro
Para acompanhar todos os capítulos da minha história, clique aqui. A ordem cronológica é de baixo para cima.
Até a próxima segunda.
Lambidas.