O que o destino me reservava

2012-04-17 23Capítulo anterior: A química da morte

Era um pronto-socorro, e não um consultório comum. Por isso, depois da aplicação do medicamento na veia, a veterinária informou que precisava atender outro paciente de urgência. Era uma rottweiler idosa que não estava voltando da anestesia, decorrente de uma cirurgia para a amputação de uma pata devido a um tumor. Era um caso muito grave também. E não havia mais o que se fazer comigo naquele momento. O antídoto já estava dentro de mim. Era necessário esperar um pouco.

Meus músculos tremiam sem parar. Os tremores eram tão intensos e fortes que faziam meu corpo estremecer tão violenta quanto involuntariamente, sacudindo a maca de tal forma que a agulha que ligava o soro com a corrente sanguínea se soltou. Erika tentou chamar a médica, gritou, mas nada de ela responder. Estava socorrendo a rottweiler e não podia parar.

Desesperada, Erika, sem nenhuma experiência nem vocação, colocou a agulha novamente no lugar. Ela tinha ojeriza a médicos, hospitais e seus cheiros estranhos de substâncias ainda mais estranhas. Ficava pálida só de ver um médico. Ela não sabe até hoje de onde tirou forças naquela noite para agir. Mas agiu. Com carinho, ela me abraçava e me acariciava os pelos.

Cuidadosamente, colocou de volta a minha medalhinha de identificação com a imagem de São Francisco de Assis. Com lágrimas rolando, encostou a cabeça na minha e prometeu que nunca mais ninguém me faria mal, que nunca me abandonaria. Pediu para que eu tivesse força para vencer mais essa batalha. Implorava misericórdia de Deus, algo que ela odiava fazer porque pensava que sempre havia alguém mais necessitado do que ela.

Embora não entendesse nenhuma palavra, aqueles sons tornaram-se o meu fortificante. Em meio a suas preces e promessas, consegui me levantar e apoiar a cabeça no ombro dela. Ali, me sentia protegido. De repente, no entanto, novas ondas de tremores, dores e fluídos amarelos sobrevinham. A sensação de que estava melhorando desaparecia, mas se alternava com melhoras. Nem eu nem ela sabíamos mais em que acreditar, o que esperar.

O estômago e a cabeça doíam de uma forma que eu nunca havia imaginava que poderia suportar. A cada tremor sentia meus músculos se retorcendo, parecia que iam se romper. A dor era gigantesca, indescritível – mas o pior de tudo era a sensação de que não tinha mais forças para reagir. Ao contrário dos animais, os humanos têm consciência de que estão vivos e que, portanto, morrer é sempre uma alternativa. Nós, os bichos, não sabemos o que é a morte e, por isso, não temos medo dela – até o momento em que uma doença grave ou um envenenamento nos faz instintivamente lutar para sobreviver. E eu estava com medo.

A veterinária voltou com uma energia de preocupação. Minha dona voltou a chorar e o abraçou. Finalmente eu tinha uma família e que se importava comigo. Se eu fosse morrer, pelo menos seria ao lado de gente que me amava incondicionalmente.

No próximo capítulo: A química da vida

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Até a próxima segunda.

Lambidas.

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