A mudança
Capítulo anterior: A despedida
O meu primeiro dia na casa nova foi legal. Enquanto as caixas iam sendo abertas, e as coisas, guardadas, aproveitava para fuçar tudinho. Queria entender e saber quem ela. A Erika, a minha nova tutora, estava em um quarto arrumando um armário. Decidi que queria ficar ali com ela. Achei os restos de uma caixa de papelão vazia, pulei para dentro, me enrodilhei e fiquei observando. Ela ficava repetindo que me achava uma graça e tirou algumas fotos. No final do dia, ela parecia esgotada com a mudança e com o calor úmido de Santos, ao qual não estavam acostumada. Mesmo assim, ela me levou para dar uma volta na praia, que não ficava longe do apartamento.
Era uma praia diferente das que eu conhecera até então. Praia pode parecer tudo igual, mas é só aparência. A que eu estava conhecendo agora possuía um grande jardim e a faixa de areia era bem larga, ao contrário da orla de Guarujá, que de tão estreita lota muito fácil. Caminhamos bastante e eu farejei tudo o que podia. Queria muito conhecer todas as coisas e cheiros daquela nova cidade.
Os dias que se seguiram foram satisfatórios. Minha sarna estava indo embora de vez e a cada dia que passava eu conquistava um pouco maisl. Fiz tudo que podia para que não precisasse nunca mais trocar de lar. Queria ser um cachorro exemplar, não queria dar motivos para ser abandonado de novo. Por isso, nunca peguei nada. A casa era repleta de bibelôs e enfeites, mas jamais trisquei em nenhum deles – por mais curiosidade que tivesse de cheirar, lamber, morder. Nas almofadas eu nem encostava. Um dia, porém, não resisti e subi no pufe da sala. Me mandaram descer imediatamente. Pronto. Bastou aquela vez para eu entender, e nunca mais fiz menção de subir de novo – muito menos no sofá ou na cama.
Estava amando todos os carinhos, mimos e atenção que recebia na nova casa. Íamos correr na praia todos os dias. A Erika se preocupava muito comigo, vivia me dando beijinhos e chamegos. Como nunca me deixava sozinho em casa, íamos juntos para todos os lugares, padaria, farmácia, açougue. Eu a esperava na porta amarrado na coleira. Sempre me mostrava esfuziante alegria quando ela voltava.
Confiava na minha nova tutora. Achava que nunca mais iria sofrer maus-tratos. Eu me sentia seguro. Mas mesmo assim, por causa dos traumas dos meus dias na rua, meu instinto fazia com que eu fechasse meus olhos quando uma mão se aproximava para fazer carinho. Por mais contraditório que fosse, morria de medo de apanhar. Afinal, nunca entendi o que poderia ter feito para que as pessoas me maltratassem quando vivia na rua. No mais, fazia todas as graças que eu aprendera na rua. Queria muito conquistar. O que eu não podia imaginar é que justamente no lugar onde havia me sentido mais bem acolhido até então é que aconteceria em breve a maior tragédia e o maior sofrimento de toda a minha vida.
No próximo capítulo: De frente com a morte
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Até a próxima segunda.
Lambidas.