A areia, a água, a praia

Capítulo anterior: As larvas, o óleo e a dor

Aquele óleo na orelha incomodava muito. Movia a cabeça e sentia o cheiro ruim daquela coisa pegajosa e queimada. Mas quando meu amigo me convidou para ir à praia, esqueci tudo. Não que eu entendesse uma palavra do que ele dizia, mas a animação no tom de voz era tão nova quanto a praia que logo mais eu iria conhecer e amar. Ele dobrou os papelões que usávamos de cama e cuidadosamente os prendeu em sua carroça.

– Vamos, Bob.

E fomos em direção à praia.

Eu estava feliz demais. Cheirava todo o caminho, que eu ia marcando para aprender a voltar e para contar a todo o mundo canino que havia passado por lá. Por isso, fazia xixi em casa pedacinho de grama, árvores e postes. Andava imponente, saltitante, bem diferente dos dias anteriores.

Viramos a esquina e, de tão distraído e excitado, fui de encontro a uma mulher. Trombei em suas pernas e me assustei. Fui para trás, o rabo entre as pernas, já esperando levar umas pancadas. Ela se curvou em minha direção e estendeu a mão espalmada. Fechei os olhos, apavorado. Mas não. Ela me sorriu, agachou-se e me fez um carinho. Abri os olhos lentamente, não acreditando na reação.

– Que peludinho lindo – disse ela, suspirando.

Olhei para ela, memorizei seu cheiro, e segui meu caminho. Mal sabia eu que aquele encontrão mudaria minha vida no futuro e que aquela mulher de olhos brilhantes anos depois salvaria a minha vida.

Meu companheiro já estava vários metros à frente. Dei vários impulsos e em pequenos saltos o alcancei. Voltei a colocar meu rabo para cima e continuei a minha caminhada cheia de expectativas rumo ao mar.

Chegamos. Nem podia acreditar como é lindo tudo aquilo, o mar, a areia, o sol, a amizade, a proteção. O azul, o calor, a água. Saí correndo para a fina areia branca, onde eu fazia muitos buracos superficiais. Era tanto espaço para correr, tanto para cavar que não sabia por onde começar. Corri em direção àquele mundo de água. Não tinha medo, mas cautelosamente molhei as quatro patas. Na primeira onda, o meu corpo inteiro estava molhado. Gostei.

Corria da onda e para onda. Rolava na areia. Queria descobrir tudo o que havia naquela praia, todos os bichinhos que ali habitavam. Havia cheiros dos mais variados que eu jamais havia sentido antes. Em um de meus buracos encontrei um caranguejo. Que novidade! Não resisti e o agarrei por uma de suas pinças, deixando dependurado em minha boca. Mas a outra começou a se abrir e fechar, tentando me atacar – tec, tec, tec – bem perto da minha orelha caída. Meu amigo viu aquela cena e rindo muito, quase gargalhando, ordenou que eu soltasse minha presa. E foi o que fiz.

Entramos juntos no mar. Mexi minhas patinhas dentro da água e aprendi automaticamente a nadar. Conseguia flutuar sob a água. Aquele mar me refrescava e me trazia uma sensação indescritível de algo mágico e bom.

As horas passaram voando, o dia foi se apagando e a noite, tomando seu lugar. Eu e meu companheiro voltávamos juntos e felizes para a nossa casa-marquise, cheios de sal, areia e água. Quando chegamos, sentei-me no chão com o rabo balançando, os olhos bem abertos e a língua caída para fora. Queria muito agradecer pelo passeio, pelo dia especial.

Ele entendeu. Passou a mão na minha cabeça e disse:

– Amanhã, Bob, eu vou te dar um banho.

No próximo capítulo: Onde se toma banho na rua?

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Até a próxima segunda.

Lambidas.

 

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