Mais surpresas na minha pequena vida

2012-04-14-211-300x224Capítulo anterior: A gata chata

As minhas esperanças de ter um novo lar começaram a desmoronar quando a arisca Gatsy arranhou o pequeno braço da menina Bel. Mais uma vez, não conseguiria ser um bom cão, mais uma vez via meu futuro na sarjeta. Fiquei triste com o que havia acontecido. Passei o dia deitado enrodilhado, arrependido pelo que havia feito. Mas como não reagir à provocação de uma gata?

 

Fiquei ainda pior quando vi a menina Bel dizendo que, apesar de tudo, não queria ficar longe de mim. Não queria me dar para ninguém. Mas a minha sorte estava selada. A incompatibilidade com a gata era intransponível e eu, que chegara por último, que fosse embora.

Minha melhor chance seria conseguir um novo lar. Mas seria preciso que a sorte me sorrisse pela segunda vez. Afinal, há milhares e milhares de cães abandonados pelas ruas que jamais conseguem um dono. Alguns poucos menos desafortunados vão parar em lares provisórios, superlotados, que se tornam permanentes. Ninguém quer um cão de rua, adulto. Quem aceita prefere os mais bonitos, de alguma raça da moda.

Os dias corriam iguais. Eu ficava confinado na lavanderia a maior parte do tempo. À noite, enquanto a mãe de Bel ficava na varanda, eu virava o seu acompanhante. Deitava em cima de um edredom na cadeira de praia ou me ajeitava embaixo da mesinha do computador perto de seus pés. Às vezes dormia por horas. Gostava da presença de humanos, me sentia protegido. Mas sabia que aqueles dias estavam contados.

Estava preocupado e receoso com o que poderia acontecer comigo. Não queria voltar para as ruas, muito menos para trás das grades do Centro de Controle de Zoonoses, ainda mais agora, depois de conhecer um mundo doméstico e de ter recebido muito carinho de humanos. Não achava justo ser abandonado de novo por ter respondido aos meus instintos. Toda vez que via a Bel chorando pelos cantos, meu coração se partia.

Ela vinha e fazia carinho, falava com doçura diversas palavras que eu jamais conseguiria entender, mas sentia o sabor doce de tudo que ela dizia. Sentia o amor que ela tinha por mim e o quanto ela me queria por perto. Constantemente, ouvia a conversa dos pais da menina Bel sobre o que fazer comigo. Parecia que já haviam encontrado alguém que estava interessado em me adotar. Era um vizinho.

O medo e a incerteza me deixavam desconfortável diante daquela situação. Todos olhavam para mim com cara de despedida. Não gostava daquilo. Certa noite, quando a mãe de Bel me fazia companhia na varanda, pude observar uma lágrima escorrendo pelo seu rosto. Ninguém queria me deixar, eu sentia, mas não havia jeito.

No dia seguinte, tudo parecia normal. O dia se arrastava tedioso como sempre. Estava fechado na varanda e escutei o telefone tocar. Ouvi a mãe de Bel combinando uma visita à família. Ela desligou o telefone, deu um sorriso, pegou a chave do carro e foi buscar Bel na escola. Quando voltaram, a mãe falou para a menina de uma prima distante. Ela estava para chegar. Será que ela viria morar aqui? Mais um humano? Estavam me trocando por um humano?

A campainha tocou, e as duas foram atender a porta. Não sabia por que, mas sentia que aquela visita mudaria a minha vida. Meu coraçãozinho se enchia de esperança e de felicidade. Escutei uma voz distante elogiando o cocker da família. Eu me arrumei e me aprumei como podia. Também queria impressionar.

No próximo capítulo: A visita

Para acompanhar todos os capítulos da minha história, clique aqui. A ordem cronológica é de baixo para cima.

Até a próxima segunda.

Lambidas.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *