A vida na rua também pode ser boa

12511953_1074165892626071_1433657145_nMuita gente vê cães abandonados nas ruas (na vida dura do sol escaldante ou da chuva inclemente), suspira de pena, mas segue seu caminho e não olha para trás. A maioria dessas pessoas tem uma fieira de razões para não dar um lar a um cachorro, mas há quem prove que, mesmo em situações adversas, é possível cuidar – e bem – de um cãozinho. É o caso de Kyel. Ele vive nas ruas da cidade mais antiga do Brasil, São Vicente, no litoral sul de São Paulo, e só isso já seria motivo para ele não adotar um animalzinho, quando ele mesmo precisa de amparo. Esse filho de mãe sergipana e pai japonês lutou – literalmente – para ficar com a cadelinha Cristal, já grandinha, mas apenas um filhote de cinco meses.

“Saí na mão com o dono anterior dela”, conta Kyel, enquanto exibe as feridas ainda acabando de cicatrizar nos braços e pernas. “O cara bebia e batia nela todo dia, com pau, com corrente, com chutes”. Até que um dia ele não aguentou. Partiu para cima do outro rapaz para impedir uma agressão e conseguiu fugir com Crystal nos braços. Hoje, eles vivem sob uma marquise no estacionamento do supermercado Dia que fica na rua Frei Gaspar. A dupla chama a atenção. Ela, pelo jeito relaxado de dormir à tarde sobre uma camiseta cuidadosamente colocada por Kyel para ela não ter contato com o granito frio. Ele, pelo carinho com que a trata o tempo todo.

Cristal também chama a atenção por causa da pelagem preta, brilhante, luzidia, o que demonstra a saúde da cadelinha e a qualidade da alimentação. “Ela só come ração e frutas”, orgulha-se. “Eu como no Bom Prato e, graças a Deus, comida nunca nos faltou até agora.” Kyel pode não ter um lar, mas faz o possível para que a rua seja um lar para Cristal. Ele usa chinelos de dois pares diferentes, mas Cristal tem sua própria mochila, cor-de-rosa. Dentro dela, ração, brinquedos e até vermífugo. Além disso, a alça de uma bolsa feminina é improvisada como guia. “Eu só passeio com ela na coleira”, diz ele, consciente dos cuidados com um cão. A cadelinha foi vacinada recentemente, um adestrador está ensinando alguns comandos e o que Kyel quer agora é uma castração.

“Ela me protege”, conta ele. “Com ela, posso dormir sossegado, pois se alguém se aproxima de madrugada em atitude suspeita, a Cristal rosna e me acorda.” O medo dele é que ocorra o mesmo que houve com outra cadelinha, a Pérola. “O cliente de uma pizzaria saiu, colocou-a no carro e foi embora”, relembra. “Eu estava naquela do outro lado da avenida, mas o trânsito estava muito grande e não consegui chegar a tempo”, conta. “Quando vi que era tarde demais, desmaiei em plena rua.” Kyel não se esquece dela, mas seu consolo é imaginar que quem a roubou tinha intenção de dar a ela um lar. “Acredito que ela tenha uma vida melhor do que comigo”, suspira. Tomara.

O supermercado não gosta muito da presença da dupla lá. Mas os clientes não parecem se incomodar. Vários o cumprimentam quando passam. Mas Kyel sonha. Sonha com um emprego de caseiro, onde possa dar um teto para Cristal e ter um emprego digno. Mas enquanto isso não acontece, ele faz da rua o melhor que pode para os dois – o que parece ser melhor do que, infelizmente, muitos cães recebem entre quatro paredes.

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