Animais abandonados ganham recomeço em lares paulistanos e abrigos

Animal de estimação não é descartável. Apesar da obviedade da constatação, muita gente parece pensar o contrário. Vê a mascote como um produto, um brinquedo. Ao enjoar do pet ou ao menor sinal de transtorno, livra-se dele — muitas vezes de maneira cruel. Os motivos para a rejeição são diversos. Uma pesquisa realizada há três anos pelo Instituto Waltham em parceria com o Ibope Inteligência mostrou que apenas 41% dos tutores entrevistados (26% deles da capital) levariam seu bicho junto caso mudassem de casa.

Além da migração de endereço, alguns donos apontam como justificativa para o abandono latidos em excesso, bagunça, sujeira, crescimento aquém do esperado, não ter com quem deixar o pet nas férias, gravidez, e por aí vai. “Às vezes, de um dia para o outro, o tutor se desfaz de um companheiro de anos”, conta Cintia Tancredi, uma das fundadoras da ONG Vira-Lata É Dez, responsável por quase 1 000 cães e gatos.

Não há dúvida de que os bichos sofrem no processo. O zootecnista Alexandre Rossi explica que a separação do dono pode causar ansiedade, stress e outras complicações. “Isso costuma trazer cicatrizes emocionais bastante sérias ao animal”, afirma. Alguns desses bichos tiraram a sorte grande ao ser recolhidos das ruas e ter garantidos abrigo e cuidados de novas famílias ou de ONGs especializadas (conheça a história de parte deles abaixo).

A maioria desses “órfãos”, entretanto, segue ao relento. Não há número oficial para o tamanho do problema, mas só o Instituto Luisa Mell, uma das maiores entidades do tipo, recebe cerca de 180 solicitações de resgate por dia. “Conseguimos atender a média de oitenta pedidos por mês”, contabiliza a ativista.

Todos os abrigos de grupos de proteção da área estão transbordando, praticamente sem vagas e com dificuldades financeiras. A prefeitura também não possui estrutura para recolher todos os peludos à deriva. Dispõe só da Divisão de Vigilância de Zoonoses (DVZ), em Santana, onde vivem cerca de 200 cães e gatos. O órgão se concentra em ações como acolher animais sem dono que atacaram alguém ou oferecem risco à saúde pública.

Nesse cenário, sobram pets pelas ruas, que contam apenas com a bondade de estranhos. Nem as leis existentes coíbem o sufoco. Vale lembrar: o abandono tem punições previstas nas esferas estadual e federal, com pena de três meses a um ano de detenção, mais multa.

“Elas se escolheram”

O amor é mútuo. A vira-lata Milagres veio para mudar a vida da menina Ana Laura, e vice-versa. Após ser largado na rua, o pet acabou atropelado e deixado para morrer. Teve afundamento de crânio, perdeu um olho e estava quase morto quando foi resgatado pelo Instituto Luisa Mell, em 2016. O nome Milagres veio de sua força para reviver. Quando já estava curada, no ano passado, a mascote foi levada para uma feira de adoção em um shopping paulistano. Ali, conheceu Ana Laura, 11. “Foi paixão à primeira vista, elas se escolheram”, lembra a mãe, a acompanhante terapêutica Vanessa Patricio. A garota, que é autista, se sente agora mais segura, perdeu o medo de cachorros e tem uma ligação muito forte com a companheira canina.

Aposentadoria para o frajola

No fim de 2015, o gato Dudu, de aproximadamente 14 anos, foi deixado fechado em uma residência, na Zona Leste, junto de outros treze pets. Os felinos passaram fome durante dias (chegaram a comer filhotes que tinham morrido no local) até ser resgatados pela ONG Catland, que cuida de 400 bichanos. Após dois anos no abrigo, o “vovô” ganhou uma nova casa para curtir uma aposentadoria digna de rei, na companhia de outros dois irmãos felinos. “Senti que ele estava sempre meio triste. Não aguentei e acabei adotando- o”, afirma a dona do frajola, a doceira Nicole Marques. “Hoje, nem parece um animal idoso, adora brincar.”

À espera, na portaria

O gatinho Dembe, 4, começou a ficar muito agitado no ano passado. Para se verem livres dos miados, seus donos resolveram botá-lo para fora do prédio onde morava, em Itaquera. O bichano não desistiu de voltar ao lar e esperava pelos tutores na portaria, pedindo para entrar — sem sucesso. Ao saber da situação, uma protetora castrou o pet, processo que costuma acalmar o animal. Ainda assim, os antigos donos negaram o retorno do bichano, alegando que uma de suas filhas tinha alergia a pelos. Carinhoso, ele perambulou pelo bairro até ser levado para a ONG Adote um Gatinho, onde segue aguardando por adoção. Se tiver interesse em levá-lo para casa, escreva para informacoes@adoteumgatinho.org.br.

Labrador ligado no 220

Um casal decidiu se divorciar, mas acabou também se separando do cachorro. O ativo labrador Zeus, de 5 anos, foi deixado para trás, sozinho, no antigo lar dos donos. Uma vizinha o alimentou através do portão até a equipe do Instituto Luisa Mell conseguir resgatá-lo, dias depois. Há um ano, após um mês na ONG, foi adotado pela família do analista Eric Oliveira. Hoje, há espaço só para ele na casa da Zona Sul, e o cão é paparicado até dizer chega. “Ele é ligado no 220”, brinca Oliveira. “Sinto pena desse tipo de pessoa que consegue abandonar um cachorro. Se você estiver deitado no chão, o labrador vai estar junto com você. O Zeus mudou todo nosso astral.”

Jogada da ponte

Há dois anos, a vira-lata Karen era um filhote de apenas 6 meses de idade. Na época, a cadela acabou vítima de uma maldade que a marcou pelo resto da vida. Foi jogada de um viaduto na região do Rodoanel em uma tentativa de se livrarem dela. A peluda, entretanto, sobreviveu à queda. A pessoa que a resgatou escutou um bater de porta de carro na estrada e, em seguida, viu “algo” ser arremessado da ponte. O animal foi levado às pressas, com muita dor, para a ONG Clube dos Vira-Latas, na região de Ribeirão Pires. Mesmo depois do tratamento, o pet perdeu a capacidade de andar. Vive desde então no abrigo da entidade. Talvez por algum trauma, não gosta de homens. Karen espera agora por mais uma reviravolta, como o acolhimento de uma nova família que possa cuidar dela. Se você quiser adotá- la, escreva para contato@ clubedosviralatas.org.br

PARA EVITAR O ABANDONO

O que se deve saber antes de adotar um pet

Ninguém precisa ser rico, mas, assim com o um filho, as mascotes demandam gastos. Programe o orçamento.

Quando a adoção se dá durante a fase de filhote, saiba que é quase impossível prever o tamanho e o temperamento do pet no futuro. Esteja preparado para qualquer cenário.

A raça da moda pode ser esta ou aquela, mas seu bichinho provavelmente vai viver mais do que a tendência. Cachorro não serve para dar status.

Caso não sejam castradas e tenham acesso à rua, as fêmeas podem ficar prenhes. A responsabilidade das crias é do tutor.

Se for dar um peludo de presente a alguém, tenha certeza de que a pessoa deseja um animal e consegue cuidar dele. Afinal, é um mimo que “durará” por muitos anos.

Retirado: Veja São Paulo

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