Como fazer denúncia de maus-tratos aos animais?
Uma das piores coisas que o ser humano pode fazer é maltratar um animal.
Quem já presenciou ou já viu vídeo na internet, não esquece as cenas de terror e pavor do animal. Você sabia que qualquer cidadão pode fazer uma denúncia? Mas não é tão simples como parece. Descubra quais são os passos que devem ser tomados para que a denúncia dê certo.
O que é considerado maus-tratos?
Todos os que amam os animais ficam irritados quando veem um animal que não está sendo cuidado como deveria. O animal deve ter comida, abrigo, mas também atenção e convivência. “Muitas pessoas me procuram para denunciar maus-tratos, mas nem sempre o ato relatado é considerado crime. Por exemplo, manter o animal no quintal, na corda ou corrente, não é maus-tratos. Mas se torna crime quando esse animal não é alimentado ou não tem abrigo para sol e chuva” alerta Luisa Mell, protetora de animais.
Segundo o artigo 32, da lei 9.605 de 1998, é crime praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais. “É uma lei bem ampla, para que o juiz possa analisar o caso, e verificar se o ocorrido é crime ou não” comenta o Desembargador Otávio Toledo, coordenador criminal e de execuções criminais do TJSP.
Como devo denunciar maus-tratos?
Em muitos sites que pesquisei, observei alguns números, como o da delegacia do meio ambiente de São Paulo e o número do Ibama. Mas ao conversar com advogados e defensores animais, todos disseram para ligar para a polícia, no 190.
Antes de ligar, é importante fazer fotos ou vídeos do que está acontecendo. Afinal, a polícia pode chegar e não ver nada. Você deve provar o que viu. “Muitas ligações que a polícia recebe sobre maus- tratos de animais é alarme falso ou briga de vizinhos. Isso dificulta a ação” confirma Luisa Mell.
Não pense que só de ligar para a polícia, que você será ouvido. Cada vez mais os policiais estão capacitados para atender esse tipo de chamado, mas ainda há casos em que você tem que explicar o que está acontecendo, falar sobre o artigo 32 e mostrar que se trata de um crime. “Em termos éticos, perante a lei, o ser humano é superior ao animal. Afinal, são os humanos que fazem as leis para reger a vida de todos os seres” relata Dr. Toledo.
Tomado por um instinto de justiça, a pessoa liga para a polícia e é atendida. Quando policial chega, leva todo mundo para a delegacia, para fazer o Boletim de Ocorrência (BO). Isso pode levar horas.
E o animal que sofreu maus-tratos?
Aí que começa o problema. O estado não tem como retirar o animal e se responsabilizar por ele. Você pode ficar com ele, como depositário, mas não poderá, em hipótese nenhuma, doar esse animal, nem para sua mãe. “Quando acontece esse tipo de coisa, eu peço para que o proprietário doe o animal para mim. Assim, eu cuido dele e depois consigo doar. Mas nem sempre o proprietário concede” confidencia Luisa Mell. Se você não puder ficar com o animal, após a denuncia, ele continuará na mesma casa.
E depois da denúncia, o que é feito?
Após ligar para a polícia, ir à delegacia, fazer o BO, começarão as investigações e o processo terá início. Não pense que é rápido, mas vale a pena. Muitas vezes o proprietário (agressor) é condenado a serviços para a comunidade ou pagamento de cestas básicas. Claro que isso irrita a população e a todos que amam os animais. “Publicar o caso nas redes sociais, muitas vezes, já é uma punição, pois causa constrangimento social do agressor” comenta Luisa Mell.
“As pessoas colocam a culpa no magistrado (juiz ou desembargador) por ter atenuado a pena. A culpa não é do judiciário, mas das leis. Elas que permitem que a pena seja minimizada, em certos casos. O juiz apenas interpreta a lei e dá a sentença. Se algo deve mudar, são as leis brasileiras” ensina Dr Toledo.
E não pense que isso acontece apenas com os casos de animais. O advogado da ONG Adote um Gatinho (AUG), Dr. Rodrigo Carneiro, conta casos com homicídio humano, que por ser réu primário, ter uma boa conduta, residência fixa e trabalho, o culpado ficou solto, apenas prestando serviços à comunidade.
Caso Dalva
O caso mais recente, famoso e aterrorizante ocorreu em 2012 e foi julgado em maio deste ano. O flagrante foi feito por um detetive particular, que chamou a polícia e as protetoras da ONG AUG. Foram encontrados 37 animais mortos, dentro de sacos. Quem havia colocado todo material (animais) na calçada, em frente à casa da vizinha, foi Dalva Lina Silva. Ela era considerada protetora de animais. Várias pessoas entregavam cães e gatos resgatados para que ela cuidasse e doasse. Ela não era filiada a nenhuma ONG.
Não vou contar os detalhes do caso, pois são de perder o sono e quase desacreditar no ser humano. Conversei com a Dra. Angélica Lang Klaussner, veterinária da ONG AUG, testemunha no caso. Ela teve acesso às fotos e ao laudo do perito que fez a necropsia nos corpos dos animais. “Com 20 anos de profissão, acompanhei muitos casos de maus-tratos, mas nenhum como o da Dalva. Após ter contato com as fotos e o laudo, fui parar no hospital, com crise de hipertensão” confessa Dra. Angélica. Mesmo o Dr. Rodrigo, acostumado a acompanhar casos pesados, ficou com a voz embargada ao ser questionado sobre a sensação que teve no flagrante.
Indignação
Por conta das leis brasileiras, Dalva está em liberdade e sua condenação não será tão rápida como gostaríamos. Mas ela não está morando em casa. Sua residência for apedrejada, pichada e vandalizada. “Atos como esse são criminosos. A população julga e condena. Quem deve fazer isso é a justiça, não o cidadão” critica Dr Toledo. “Quando as pessoas fazem isso, dão força para que a Dalva vire vítima” complementa Dr Rodrigo.
Devemos lembrar que a Dalva tem duas filhas, sendo uma de 10 anos. Segundo o advogado de defesa, Dr Martim Lopes Martinez, elas estão recebendo ameaça de morte. Gente! É uma criança de 10 anos!
“Muitas vezes essa atitude ocorre por sentimento de que a justiça é falha, mas devemos deixar o julgamento para os profissionais do judiciário” recomenda Luisa Mell. Mas pode colocar cartazes e faixas na frente da casa dela, mostrando a indignação da população perante os atos de crueldade.
O que pode ser feito para diminuir os casos de maus-tratos?
Em 2014, na França, a população se uniu a ONGs e pressionou o governo para modificar as leis, mostrando que os animais são sensíveis (sentem frio, fome, dor e sofrem). Aqui no Brasil, na cidade de Itapira, interior de São Paulo, foi sancionada, em maio desse ano, a lei que prevê multa de até R$ 200 mil, para casos de maus-tratos aos animais.
Fazer algo na esfera federal é muito complicado, pois passa por três etapas: câmara, senado e presidência. Além de levar muito tempo. Começar pela esfera municipal ou estadual pode ser o melhor caminho. A maior força ainda é da população.