A química da morte
Capítulo anterior: O envenenamento
O chumbinho é o nome popular de um veneno muito usado como raticida. Ele tem esse apelido por causa da forma – pequenas esferas cor de chumbo – e não pelo conteúdo. Na verdade, as substâncias empregadas para fabricá-lo são bastante variadas, embora a mais comum seja um agrotóxico chamado aldicarbe. Embora seja comprado para acabar com ratos, ele é muito mais eficiente para matar crianças e animais de estimação.
Seu efeito é muito rápido. Por isso, quando um rato morre – geralmente o mais velho, que é sempre o primeiro a comer – os demais aprendem que aquilo é perigoso e nunca mais chegam perto. Desse modo, ele não funciona para ratos. Por ser tão perigoso e só servir para causar o mal a inocentes, ele é ilegal. Apesar disso, como tudo que é proibido no Brasil, sempre há alguém disposto a vendê-lo – sem frascos adequados, sem advertências nem instruções de uso e armazenamento, o que aumenta ainda mais o risco de acidentes.
Naquela noite de sexta-feira, eu era mais uma vítima.
Fui colocado numa maca, e a veterinária tentou raspar os longos pelos da minha pata dianteira direita, mas o aparelho, semelhante aos usados por barbeiros para cortar cabelo, não ligava de jeito nenhum. Até chegar ali só haviam se passado sete minutos. Sim, somente sete minutos da primeira engasgada a estar na mesa para ser atendido.
Eu não podia ter tanto azar. Aquela maldita maquininha teimava em ficar desligada. E cada segundo nesses casos pode significar a diferença entre a vida e a morte. A veterinária acabou desistindo. Passou a procurar uma veia na minha pequena e curta pata peluda. Achou e furou assim mesmo. Não havia tempo a perder, apesar dos riscos de contaminação.
Pronto: o antídoto já estava se misturando com a minha corrente sanguínea e teria início uma longa e penosa guerra para tentar combater o veneno. Já, sem coleira, sem medalha de identificação, nem nada no pescoço, tive uma sensação de esganadura. Estava sufocando. Não entendia nada. Olhava para Erika, e ela também não sabia o que estava acontecendo. Sua expressão era de tanto pavor quanto a minha. E ela não parava de chorar. A sua maior preocupação era com a minha vida. Enquanto isso, eu me contorcia de dor. Comecei a sentir muito frio, e os vômitos, a diarreia e a urina saíam em jorros descontrolados.
– Ele vai sobreviver? – Erika perguntava o tempo todo para a veterinária loira que me atendia.
– Não. Ele vai morrer – respondeu rispidamente – Ele foi envenenado. Vou fazer tudo que posso, mas a situação é muito grave.
Que ironia do destino! Fazia pouquíssimo tempo, em minha curta e dura vida, que alguém realmente se importava comigo, que me amava. Quando estava ainda conhecendo o que era ter um lar, uma família, fui novamente vítima da crueldade e da insensatez humanas.
Estava à beira da morte.
No próximo capítulo: O que o destino me reservaria?
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Até a próxima segunda.
Lambidas.