Minhas descobertas continuavam
Capítulo anterior: O mundo doméstico
A ansiedade e a curiosidade estavam me matando. Estava louco de vontade para saber o que havia atrás daquela porta de madeira e o que o futuro reservava para mim. Pressentia que uma nova porta se abria na minha frente. Afinal, naqueles três anos de vida, boa parte deles na sarjeta, nunca estivera tão próximo de um ser humano. A chave rodou dentro da fechadura, e Bel empurrou a maçaneta para baixo. Um novo capítulo da minha vida começava a ser escrito.
A primeira coisa que vi quando a porta se abriu foi um semelhante meu. Era um cão já idoso, de pelos pretos e brancos, um cocker spaniel de pedigree e tudo o mais. Ele era um cara na dele. Estava calmo. Pudera. Já era o dono da casa. Eu só teria que respeitar o espaço dele para tudo dar certo. Nós nos cheiramos como todos fazem – um gesto muito parecido com o aperto de mão de você, humanos – e entrei.
O apartamento era muito confortável, com uma grande varanda que dava para um morro alto e bem verde, cheinho de árvores e pássaros. Por algum momento aquela paisagem me fez lembrar o sítio, onde toda a minha vida havia sido boa até a bicheira me expulsar de lá.
Enquanto observava e recordava, um ser não muito simpático surgiu sem que eu tivesse percebido seu cheiro. Apareceu com os pelos eriçados e na posição de quem iria dar um bote. Era uma gata.
Não me contive por causa do instinto e parti para cima dela furiosamente. Nós, cães, atacamos esses felinos porque temos uma natureza predatória e, por isso, reagimos a determinados estímulos de animais que se comportam como presa.
Os movimentos bruscos e rápidos do gato despertam em nós o instinto predatório. O curioso é que se o gato não demonstrar medo, dificilmente iremos atacá-lo. Mas não foi o caso da Gatsy – como de resto quase nenhum bichano age de forma diferente. Ah, se eles soubessem…
Ela se aproximou lentamente com as patas flexionadas para baixo e com a cabeça também voltada para o chão. Os olhos, porém, me encaravam fixa e permanentemente. Os pelos foram se arrepiando e ela parecia ter crescido. De novo, um bote, comum nesses corajosos animais, que às vezes decidem que a melhor defesa é o ataque. Ela tentou arranhar o meu focinho, mas não conseguiu.
De repente, a mãe de Bel agarrou a Gatsy, levou-a para um dos quartos, e eu pude explorar a casa. Cheirei tudo que pude. Queria guardar todos os cheiros da minha nova família. Queria que eles fossem inconfundíveis.
Enquanto eu fazia as minhas descobertas, a vida da família continuava: Bel tomava banho, a mãe preparava o almoço. Bel comeu e me chamaram novamente. Colocaram de novo a coleira em volta do meu pescoço. Abriram a porta, saímos, apertaram um botão na parede e mais uma vez a porta de metal se dividiu em duas. Entramos na caixinha iluminada que vocês chamam de elevador e descemos. O pavor era menor, mas ainda existia.
Aonde iríamos agora?
No próximo capítulo: Veterinário, sarna e otras cositas más
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Até a próxima segunda.
Lambidas.