Cães sentem o cheiro de câncer

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Cachorros em geral são fofos, inteligentes, sensíveis, companheiros. Só isso já é suficientemente bom – mas pode ficar melhor ainda. Nos últimos anos, muitos estudos mostraram que tê-los por perto contribui para diminuir o estresse e ajuda pessoas doentes a enfrentar tratamentos desconfortáveis e dolorosos. Mais recentemente, outra habilidade canina tem chamado atenção de cientistas: a capacidade de detectar precocemente vários tipos de câncer e, dessa forma, salvar vidas.

Ao longo dos séculos, o cão aprendeu muito, principalmente no campo da comunicação não verbal. Vários especialistas consideram o contato visual entre o cachorro e o homem determinante para a qualidade tão especial da relação entre as duas espécies. Mas é o olfato que atraído o interesse de pesquisadores: esse sentido tão desenvolvido nesses mamíferos pode ser extremamente útil. Já há algum tempo o conhecimento do fato de que cachorros vivem num universo de cheiros que contam histórias complexas e são capazes de detectar odores “puros”, misturados e até residuais tem sido revertido para usos benéficos, como a localização de sobreviventes de tragédias e de drogas em aeroportos.

Na última década, partindo da constatação de que quadros patológicos deflagram alterações de odor, nem sempre perceptíveis ao nariz humano – mas que dificilmente escapariam ao focinho dos cães –,vários cientistas realizaram experimentos nesse campo. Os tumores malignos, por exemplo, exalam pequenas quantidades de substâncias químicas chamadas alcanos e derivados de benzeno, não presentes no tecido saudável. Se um cão pode identificar bilhões de variações de cheiros, não seria estranho pensar que poderiam detectar o câncer, antes mesmo de as pessoas saberem que estão doentes.

Um experimento pioneiro nesse campo foi realizado em 2004 pelo psicólogo James C. Walker, na ocasião diretor do Instituto de Pesquisa Sensorial da Universidade Estadual da Flórida. Ele e seus colegas treinaram dois cães para detectar amostras de tecido de melanoma escondidas na pele de voluntários saudáveis. Os animais foram testados com métodos normalmente utilizados para fazer com que se habituem a farejar bombas e drogas. Um dos cachorros “confirmou” a presença de melanoma em cinco pacientes. Em um dos casos um tumor foi detectado em uma amostra inicialmente considerada negativa, mas o exame histopatológico subsequente revelou a existência de melanoma em uma ínfima fração das células.

Dois anos depois, um estudo desenvolvido pela Fundação Pine Street, instituição voltada para pesquisas sobre câncer em San Anselmo, na Califórnia, incluiu maior número de cães e amostras para garantir resultados ainda mais consistentes. Os pesquisadores selecionaram três labradores e dois cães-d’água portugueses sem nenhum treinamento prévio. Pessoas com câncer de pulmão e mama sopraram em tubos e essas amostras de respiração, capturadas em recipientes cilíndricos, foram usadas para treinar os animais nas semanas seguintes. Para os testes, os pesquisadores usaram um novo lote de amostras de ar expirado por pacientes. Os índices de acerto foram impressionantes: os cães detectaram corretamente 99% das amostras de câncer de pulmão e cometeram apenas 1% de erro ao farejar tecidos saudáveis. No caso de tumores de mama, identificaram 88% de ocorrências corretamente, sem nenhum falso positivo.

Em 2011, mais uma vez cães foram treinados para identificar a presença de células cancerígenas no pulmão. Os pesquisadores alemães queriam saber se os cachorros poderiam discriminar a presença de tabaco em amostras de hálito de pacientes com câncer de pulmão, com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e de voluntários saudáveis. Em 100 casos, os animais identificaram corretamente 71 e distinguiram com sucesso amostras de 372 voluntários que não tinham câncer de pulmão, em um universo de 400.

Na Grã-Bretanha, a pesquisadora inglesa Carolyn M. Willis, do Amersham, e seus colegas ensinaram seis cachorros a “diagnosticar” câncer de bexiga em humanos pelo cheiro da urina dos pacientes. Embora a taxa de acerto tenha ficado em torno de 60% – não tão alta como em outros estudos –, houve surpresa quando uma das amostras despertou especial interesse dos cães, apesar de a equipe médica que acompanhava as coletas ter assegurado aos pesquisadores, decepcionados, que a amostra era de uma pessoa saudável. Mas considerando a “insistência” dos animais, o material foi reexaminado. Resultado: nem os médicos nem o voluntário que havia fornecido urina sabiam, mas o diagnóstico de câncer de rim e bexiga estava correto.

Diante desses resultados, é inevitável perguntar se o melhor amigo do homem pode se tornar um rastreador de patologias. Levando em conta que o diagnóstico precoce é decisivo em muitos tratamentos e que em algumas doenças – como no caso do câncer de próstata – os exames de sangue às vezes trazem resultados imprecisos, a participação desses amigos de quatro patas pode significar a diferença entre a vida e a morte para muitas pessoas. Embora ainda seja cedo para conferir aos cães mais essa função, uma coisa é certa: além do enorme afeto que são capazes de dedicar aos seus companheiros humanos, esses anjos de quatro patas ainda são dotados de uma ferramenta muito poderosa que estamos apenas começando a entender e a valorizar.

Retirado do Blog Pensar PSI do Estadão

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