A quarentena

2012-04-14 21Capítulo anterior: Veterinário, sarna e otras cositas más

Chegamos em casa, e meu novo espaço foi determinado imediatamente. Não gostei. Eu era um cachorro livre e tinha todas as ruas e a praia inteirinhas só para mim. A partir daquele momento, o preço de ter um dono que gostasse mim era ficar restrito à lavanderia e à varanda do apartamento. E nada mais. Os carinhos também eram limitados e cuidadosos. Era por causa da sarna, mas como eu ia saber? Ficava triste por estar naquela situação. Não estava acostumado com tanta solidão e restrição. Queria voltar para a rua. Só passeava três vezes por dia. Íamos nós três: Bel, a mãe dela e eu. Dávamos uma volta no quarteirão e aproveitava aqueles breves momentos para explorar os cantinhos da rua. Cheirava todos os canteiros, os postes, os arbustos, as paredes. Em pouquíssimo tempo, já conhecia as casas vizinhas e onde havia moradores caninos. Era nessas saídas para a rua que eu fazia xixi e cocô. E era assim que eu aprendia sobre eles. Os odores que meus semelhantes deixavam em seus passeios me diziam muito sobre o que comiam, se gostavam da vida que tinham, se estavam felizes ou estressados. O resultado era bom e isso me dava confiança. Lá em casa eu tinha meu banheiro, mas era usado pelo cocker, só por ele, porque eu me recusava. Era um quadradinho na área de serviço forrado por jornal. Não fazia sentido para mim. Antes, jornal era sinônimo de cama. A vida inteira dormi em cima de folhas de jornal e papelão. Não tinha como fazer as necessidades em cima deles agora. Por isso, só na rua, por mais apertado que eu estivesse. Como havia tomado vermífugo pela primeira vez na vida, não era fácil me segurar. Nas ruas, os cachorros não se preocupam com o que comem. O importante é a sobrevivência. Por isso, havia grandes vermes brancos em minhas fezes. A mãe de Bel as recolhia do chão com um saquinho de supermercado, algo bem estranho para mim. Por que alguém haveria de guardar cocô? Afinal, eu fazia na rua justamente para deixar mensagens para outros cães que por ali passassem. Precisamos dessa rede de informações. De volta à casa, a minha quarentena continuava. Eu só podia fazer um caminho no apartamento. Da lavanderia para varanda e vice-versa. Toda vez que eu caminhava de um cômodo para o outro, era sempre na companhia de um humano e ainda encontrava a gata, que invariavelmente se colocava em posição de ataque. Era uma angústia toda vez que isso acontecia. Os donos da casa ficavam preocupados, mas esperançoso de que a gente pudesse se entender. Assim os dias se arrastavam… No próximo capítulo: A presa Para acompanhar todos os capítulos da minha história, clique aqui. A ordem cronológica é de baixo para cima. Até a próxima segunda. Lambidas.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *