O mundo doméstico

ocarCapítulo anterior: O pesadelo acabou

Mais uma vez eu estava na rua, e não havia conhecido a minha nova casa ainda. Eu queria conhecer o meu lar. Ou será que havia entendido tudo errado, e iriam me abandonar outra vez? Andamos pouco e entramos em uma casa com um cheiro estranho. Nunca havia sentido nenhum odor parecido com aquele. Era uma mistura forte, exageradamente intensa de cães. Identifiquei no ar de imediato pelo menos vinte cachorros diferentes, mas havia muitos mais espalhados naquele ambiente.

Apenas no CCZ sentira tantos semelhantes meus ao mesmo tempo. A diferença era um perfume que só havia visto em cães com donos que cruzavam às vezes meu caminho passeando pelas ruas. O cheiro era, portanto, sinônimo de lar para mim – embora nunca tivesse entendido por que uma coisa estava relacionada à outra. Apresentaram-me para uma mulher, que logo pegou a minha coleira e me separou de Bel e de sua mãe. Não estava entendendo nada.

Só o tempo me ensinaria que estávamos em um pet shop, um lugar onde os humanos levam seus bichos de estimação para, principalmente, tomar banho. É um lugar onde ficamos perfumados e limpos para os padrões deles. Para nós, dá na mesma. O cheiro é até agradável, mas gostamos mais do nosso cheiro normal. É claro que nunca havia colocado uma pata sequer em nada parecido.

Entrei em uma sala com uns tanques grandes com mangueiras. A mulher me segurou no colo e me colocou dentro de um deles. Parecia com o meu balde de antigamente, onde tomava meus banhos nas ruas em dias de muito calor. Mas agora era, literalmente, uma banheira grande pra cachorro. Ela girou a torneira e saiu uma água razoavelmente quente. Foi aí que ela começou a esfregação. Esfrega daqui, esfrega dali. De repente, parou e me deixou vários minutos sozinho dentro daquele ofurô canino, só que sem água, apenas ensaboado. Estava paralisado. Mas ela voltou algum tempo depois e continuou seu trabalho. Tirou toda a espuma, limpou minhas orelhas e colocou uma toalha em cima de mim. Era o mesmo ritual da esfregação, só que agora o que me esfregava era uma toalha. Era tudo muito desagradável, mas não podia me queixar demais, pois eu sentia naquela aparente tortura uma intenção boa e carinhosa.

A mesma mulher me colocou no chão e me levou para outro local. Pegou uma máquina que os humanos chamam de secador. Fiquei apavorado. Da onde vinha aquele vento forte e quente? Que bruxaria era aquela? Meu rabo ficou no meio das pernas a maior parte do tempo. Não entendia o motivo de estarem fazendo aquilo comigo. Enquanto aquele ar quente fazia meus pelos voarem com liberdade, a mulher os escovava, fazendo com que de vez em quando eu sentisse uma leve puxada. A sensação não é agradável.

Depois da sessão de tortura, voltamos para o prédio. Queria entrar logo na casa e conhecer meu novo lar. Novamente entramos pela porta onde guardavam seus carros. Andamos e paramos na frente de uma porta de metal. Mais uma vez, não havia visto nada parecido. Estava aterrorizado novamente. Aquela porta se dividiu pela metade, e surgiu diante de mim um cubículo iluminado de piso claro e liso, bem diferente do asfalto preto recheado de pedrinhas. Não queria entrar naquele quadradinho. Era uma caixa estranha onde não queria ficar.  Empaquei.

Elas deram risadas e pacientemente me chamaram. Não ia. “Vamos, Oscar”, elas diziam, e eu não saia do lugar. Bel veio atrás de mim e me deu um empurrãozinho. Entrei, e fui para o canto. Estava assustado. Senti um movimento que não conseguia entender o que era, mas logo em seguida a porta se dividiu ao meio outra vez e outro ambiente bem diferente daquele cheio de carros apareceu diante dos meus olhos. Como aquele lugar poderia ter mudado tanto? Até os cheiros não eram mais os mesmos.

Saímos daquela caixa metálica para um vestíbulo muito menor, com uma porta de cada lado. O instinto e o cheiro me mandaram virar à direita. Acertei, a casa da menina Bel era mesmo para aquele lado.

No próximo capítulo: Minhas descobertas continuavam

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Até a próxima segunda.

Lambidas.

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